Tributarista e Coordenador do Conselho Técnico Tributário da Fecomercio RO concedeu entrevista ao site Rondônia Dinâmica
CONFIRA A ENTREVISTA NA ÍNTEGRA:
A menos de cinco meses do início da transição da Reforma Tributária, o advogado tributarista Breno de Paula, Doutor e Mestre em Direito pela UERJ, alerta para riscos que podem comprometer a prometida simplificação do sistema. Para ele, o Brasil corre o perigo de trocar “as velhas armadilhas por novos labirintos”, alimentando ainda mais o já gigantesco contencioso tributário nacional, estimado em mais de R$ 5 trilhões.
Um dos pontos mais críticos, segundo De Paula, é o excesso de sanções previstas no PLP 108/24 para o IBS, que lista 36 condutas infracionais, muitas semelhantes entre si, sem tratar da CBS. “Isso abre espaço para multas diferentes sobre o mesmo fato, criando desigualdade e incentivando a judicialização”, afirma.
O tributarista também chama atenção para a indefinição da competência judicial para julgamento de litígios envolvendo IBS e CBS. “Sem saber se a disputa será na Justiça Federal ou Estadual, teremos decisões conflitantes e insegurança para contribuintes e advogados”, adverte.
Outro ponto de preocupação é a falta de regulamentação do Comitê Gestor e das obrigações acessórias. “Não existe clareza sobre quais documentos fiscais serão exigidos. As empresas não conseguem adaptar sistemas, treinar equipes e se preparar tecnicamente. Improviso em matéria tributária é sinônimo de autuação”, alerta.
Pensando adiante, o especialista lembra que, em 2027, o Imposto Seletivo entrará em vigor sem que a lista de produtos e respectivas alíquotas esteja definida. “Setores estratégicos como óleo e gás, mineração, aviação e automobilístico precisam dessas informações para planejar investimentos de longo prazo”, explica.
Para Breno de Paula, a reforma precisa vir acompanhada de segurança jurídica. “Não basta mudar a forma de arrecadar, é preciso mudar a forma de legislar. Sem clareza e regulamentação prévia, estaremos apenas redesenhando o labirinto.”
CONFIRA A ENTREVISTA NA ÍNTEGRA:
Pergunta: Doutor Breno, a legislação tributária brasileira é historicamente complexa e isso alimenta um contencioso bilionário. Com a reforma tributária, o senhor acredita que haverá simplificação real ou apenas uma substituição de complexidades antigas por novas?
Breno de Paula:
Infelizmente, o risco é que estejamos apenas trocando as velhas armadilhas por novos labirintos. O contencioso tributário no Brasil — estimado em mais de 5 trilhões de reais — decorre, em grande medida, de leis mal redigidas, interpretações divergentes e mudanças frequentes de regras. O projeto da reforma prometeu simplificação, mas a complexidade das novas regras do IBS e da CBS, somada à criação de um Imposto Seletivo com definições ainda em aberto, pode gerar um novo ciclo de disputas. É como reformar a casa sem tratar das infiltrações: a estrutura continua vulnerável.
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Pergunta: Um dos pontos críticos é o excesso e a sobreposição de sanções no PLP 108/24, especialmente com 36 condutas infracionais para o IBS e ausência de tratamento equivalente para a CBS. Isso pode aumentar o litígio?
Breno de Paula:
Certamente. Multas semelhantes, aplicadas de forma distinta para tributos que incidem sobre a mesma operação — IBS e CBS — violam a isonomia e a coerência do sistema. É um convite para judicialização. Além disso, a técnica legislativa de listar dezenas de condutas infracionais com redações parecidas cria brechas interpretativas. Cada uma dessas brechas é uma porta aberta para o contencioso administrativo e judicial.
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Pergunta: Existe também uma preocupação com a falta de definição sobre a competência judicial para julgamento de litígios envolvendo IBS e CBS. Qual o impacto disso?
Breno de Paula:
Essa é uma omissão gravíssima. Hoje, sabemos que o PIS e a COFINS são de competência da Justiça Federal, enquanto o ICMS é da Justiça Estadual. O IBS e a CBS, porém, surgem em um modelo híbrido — e não há clareza sobre qual justiça será competente para julgar litígios. Sem definição, corremos o risco de ver ações sendo distribuídas em diferentes esferas, decisões conflitantes e um verdadeiro caos processual. Isso, por si só, pode inflar o contencioso nos primeiros anos de vigência.
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Pergunta: O senhor vê risco no início da aplicação das multas já em 2026, mesmo sem o Comitê Gestor regulamentado?
Breno de Paula:
Sim, e é um risco gravíssimo. A Constituição e a boa prática legislativa exigem que a lei seja clara e previamente regulamentada para que o contribuinte possa se adequar. Aplicar penalidades sem que o órgão normatizador tenha sequer editado as regras configura violação do princípio da segurança jurídica. Não é razoável esperar conformidade com um regulamento que ainda não existe.
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Pergunta: Hoje estamos a menos de cinco meses do início da transição. Como o senhor avalia a ausência de regulamentação nesse prazo tão curto?
Breno de Paula:
Essa é uma corrida contra o tempo que o contribuinte não tem como ganhar. Implantar um novo sistema tributário exige treinamento, adaptação de sistemas de gestão, atualização de softwares fiscais e preparação de equipes contábeis e jurídicas. Sem normas claras, as empresas vão improvisar — e improviso em matéria tributária é receita certa para autuações. É um cenário que tende a gerar um aumento significativo no contencioso logo na fase inicial.
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Pergunta: Sobre obrigações acessórias e novos documentos fiscais não há definição sequer sobre as exigências para dispensa do recolhimento do 1% do IVA. Qual sua avaliação?
Breno de Paula:
Essa indefinição é preocupante. Obrigações acessórias não são meros detalhes burocráticos: elas são o próprio mecanismo de fiscalização e controle do sistema tributário. Se o contribuinte não sabe quais declarações, arquivos digitais ou notas fiscais terá de emitir, ele não consegue se preparar tecnologicamente. O resultado é que a adequação será feita “correndo atrás do prejuízo”, com altíssimo custo de conformidade e risco de autuações.
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Pergunta: Pensando adiante, o Imposto Seletivo entrará em vigor em 2027, mas a lista de produtos e alíquotas segue indefinida. O que isso representa para setores estratégicos como óleo e gás, mineração, aviação e indústria automobilística?
Breno de Paula:
Representa insegurança para investimentos de longo prazo. Esses setores trabalham com planejamento tributário e financeiro que exige previsibilidade de anos. Se não sabemos quais produtos terão incidência do IPI, quais serão tributados pelo Imposto Seletivo ou quais terão alíquota zero, inviabilizamos cálculos de viabilidade econômica de novos projetos. Isso pode atrasar investimentos e reduzir competitividade internacional.
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Pergunta: Em resumo, qual seria seu alerta principal sobre a reforma tributária neste momento?
Breno de Paula:
Meu alerta é simples: não basta mudar a forma de arrecadar, é preciso mudar a forma de legislar. Sem clareza, regulamentação prévia e uniformidade entre os tributos, o contencioso continuará crescendo. A reforma precisa vir acompanhada de segurança jurídica, senão estaremos apenas redesenhando o labirinto.